A Rapsódia

 

Vai a chuva córrega
descascando o espaço
abrindo golfos radiados
entre os dedos na janela
encharcando a terra
no seu lento efluir

Enquanto banha, pesa:
é seu destino de cair,
nutrir, perder-se na seiva
calar todos os algozes
do silêncio e da calma
com um mitigado verter

Porque é sua condição,
torna-se uma gota ou um rio,
ordinária ou meritória
conforme os anfitriões
sejam mãos, ombros
ou áridas nostalgias

As aguadas, os lençóis
nenhuma fonte ou cacimba
livrou-se das memórias
que a chuva transbordou
- e delas partiu e voltou,
sempre carregada e jovem

Assim também voltou
(pesada, jovem, vertente...)
a saudade da sombra morna
porque a chuva não mais findou:
é sempre incompleta e longa
a extensão da eternidade