sábado, 6 de fevereiro de 2010




TRADUZIR-SE
Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte, 
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte - 
será arte?

Um comentário:

Anônimo disse...

- o falar é, na melhor das hipóteses, uma mentira honesta (não é minha esta frase)
- tantos falam e podem estar a esconder
- tantos escondem e podem estar a revelar
- tantos falam e escondem e nada ou tudo dizem
- somente quando o EU do autor for igual ao Eu do leitor os sentidos se materializam

será poesia então, na minha opinião, tudo aquilo que escondendo ou revelando, é feito sem compromisso algum além do compromisso consigo próprio e também quando acolhe aquilo que vai além de si mesmo, ou seja, quando acolhe tudo que revela-se independente desse EU autor, a arte então é arte quando teu Eu for igual ao Eu dos que olharão para os teus versos, pois todas as matizes do universo embrenham-se na mais minúscula partícula, portanto, na minha opinião conforme já dito, toda vez que olhares com teus olhos sabendo que não são teus olhos que olham apenas, poderás estar revelando grande obra de arte, arte que pode ser poesia pura inclusive!

mas olhe meu comentário com teus olhos, sabendo que quem está a comentar pode estar dizendo, na melhor das hipóteses, uma mentira honesta!